A TROCA, no final do ano passado, enviou aos partidos candidatos às eleições legislativas um documento de contributo para os programas eleitorais contendo um conjunto de temáticas e propostas para um comércio internacional justo, que proteja as pessoas, a democracia e o planeta. Foram incluídas as temáticas que consideramos importante serem mencionadas independentemente da redacção específica que cada partido adopte. Partilhamos agora estas propostas, que, esperamos, auxiliem a uma tomada de decisão eleitoral mais informada no que concerne às temáticas abordadas.
Assim, para uma política de Comércio mais justa e equitativa, que nos permita atingir os objectivos de desenvolvimento sustentável da agenda de 2030 das Nações Unidas e os objectivos de combate às alterações climáticas, é crucial que os programas eleitorais sejam plenos no conteúdo e abordagem das temáticas que facilitarão a correcção das situações actuais de graves insustentabilidades ambientais, sociais, económicas e políticas, assim como uma melhor protecção do interesse público. Uma mudança de políticas à escala transnacional e nacional é urgente.
As temáticas (a negrito) e propostas que consideramos importante serem mencionadas são as seguintes* (onde sublinhamos palavras-chave que podem auxiliar na pesquisa sobre a temática do Comércio Justo nos programas eleitorais):
- Transparência nas Negociações: As negociações de qualquer acordo de Comércio e/ou Investimento devem ser sujeitas ao máximo de transparência e contar com a participação equitativa e proporcional dos cidadãos e das associações da sociedade civil.
- Defesa de padrões elevados de legislação: A harmonização regulatória que ocorra no âmbito destes acordos deve privilegiar a legislação que contar com os padrões mais elevados de protecção dos Direitos Humanos, do Ambiente, da Saúde Pública, do Bem-Estar Animal, dos Direitos Laborais, dos Direitos do Consumidor e dos Serviços Públicos. Actualmente é produzida principalmente legislação com padrões mais fracos de protecção.
- Representatividade dos Acordos: Para proteger a Democracia, acordos entre a UE e outros parceiros, que envolvam harmonização regulatória, devem necessitar de ratificação por parte dos Parlamentos nacionais dos diferentes estados-membros.
- Coerência entre os Acordos: Os acordos de comércio livre da UE, tanto os já estabelecidos como os que se encontram em processo de negociação, mostram-se incompatíveis com as recentes políticas Europeias adoptadas e com os compromissos ecológicos e sociais que as baseiam, nomeadamente o Acordo de Paris, o Pacto Ecológico Europeu, e a estratégia do Prado ao Prato. A incoerência entre as políticas comerciais e ecológicas da União promove não só insustentabilidade ambiental, como socioeconómica, ao fomentar a perda de competitividade do sector agro-pecuário Europeu dentro do próprio mercado interno. Este aspecto agrava a vulnerabilidade do sector face à disparidade das políticas associadas à produção agro-alimentar de cada bloco regional, sendo que a UE não pode exigir o cumprimento das medidas aplicadas dentro da União a terceiros devido aos princípios e normas da Organização Mundial do Comércio (OMC). O acordo de comércio livre entre a UE e o Mercosul constitui um exemplo desta inconsistência e deve portanto ser rejeitado.
- Combate ao “dumping” ambiental e social: Por forma a impedir qualquer processo de “dumping” ambiental ou social, as taxas aduaneiras da UE face a outro parceiro devem depender da legislação de protecção ambiental e social deste parceiro. Além disso, devem depender do impacto ambiental da distribuição e transporte associados, por forma a incorporar esse impacto no custo dos produtos, diminuindo assim os impactos ambientais associados ao comércio internacional.
- Combate às barreiras da transição energética: A eliminação gradual dos combustíveis fósseis é essencial para assegurar o cumprimento das metas climáticas estabelecidas no Acordo de Paris, nomeadamente a limitação do aquecimento global a 1,5 C, e os compromissos climáticos Europeus, tais como o Pacto Ecológico Europeu. Nesse sentido, a transição para uma produção energética que não assente no uso de combustíveis fósseis mostra-se incontornável e urgente. Um passo crucial para atingir este objectivo passa por retirar as barreiras que impedem, neste momento, essa transição, entre elas o Tratado da Carta da Energia (TCE). Este tratado, ratificado em 1994, protege os investimentos em combustíveis fósseis, permite que empresas do sector energético processem os estados através de sistemas de justiça privada (“Sistemas de Resolução de Litígios Investidor Estado” ou ISDS) e é uma fonte de dissuasão para que os governos dos países signatários do TCE adoptem medidas de protecção climática ambiciosas. No mínimo, o governo português deve manifestar-se publicamente a favor da cessação ou abandono colectivo deste tratado, já que qualquer tentativa de reforma se demonstrou infrutífera, juntando-se assim a 6 governos europeus tais como França e Espanha. Idealmente, e tendo em conta a responsabilidade histórica de ter sido em Lisboa que o TCE foi assinado, o governo português deve procurar liderar o processo de cessação ou abandono do acordo, sendo assertivo e claro na exposição do perigo imenso que o mesmo representa nos vários fóruns internacionais.
- Defesa das Instituições da República: Nenhum novo tratado de Comércio deve incluir qualquer mecanismo de resolução de litígios que ignore os sistemas de Justiça nacionais e esvazie a Democracia. Isto inclui o “Sistema de Resolução de Litígios Investidor-Estado” (ISDS), mas também outros sistemas similares, tais como o “Sistema Judicial de Investimento” (conhecido pela sigla inglesa ICS). Qualquer tratado de Comércio ou Investimento já em funcionamento que inclua mecanismos de resolução de litígios que ignorem os sistemas de Justiça nacionais e esvaziem a Democracia (ISDS ou ICS) deve ser renegociado ou deve cessar a sua vigência, por forma a que nenhum destes sistemas continue em funcionamento.
- Tribunais Nacionais versus Tribunais Arbitrais: A proposta em cima da mesa por parte da UE para um Tribunal Multilateral de investimento (MIC na sigla em Inglês), embora apresente algumas melhorias importantes face aos actuais sistemas de justiça privada (ISDS e ICS), mantém muitas das características perversas destes sistemas, tais como o acesso desigual, a assimetria de direitos e obrigações, a perpetuação dos enviesamentos criados por décadas de conflitos de interesses no sistema ISDS e o empoderamento das multinacionais face ao interesse público. Além disto, o MIC cria riscos acrescidos, nomeadamente uma expectável estimulação da litigação; o reforço – e alargamento do âmbito – da lei internacional que protege o investimento em detrimento da que protege os Direitos Humanos, laborais ou ambientais; e a dificuldade acrescida em reverter todas as formas de “comércio tóxico”. Por estas razões, não deverá ser aceite nenhum tipo de Tribunal ao serviço das empresas multinacionais, que inevitavelmente privilegiará o lucro destas face a protecções ambientais e sociais. Será portanto importante rejeitar o MIC, privilegiando os tribunais e legislação nacionais.
- Dever de Vigilância: É importante implementar legislação à escala nacional que lide com as “lacunas de jurisdição” que abrem portas à impunidade das empresas multinacionais face a violações dos Direitos Humanos ou a destruição ambiental.
- Direitos Humanos: Portugal deverá apoiar nas Nações Unidas a criação de um “Acordo Vinculativo sobre Empresas Transnacionais e suas cadeias de produção no que concerne aos Direitos Humanos”, que seja ambicioso e eficaz na protecção dos Direitos Humanos, do meio Ambiente e dos Direitos Laborais.
*As propostas em causa não dizem apenas respeito à actividade legislativa por parte da AR, mas também à sua actividade de escrutínio do governo e da sua representação no Conselho.
TROCA – Plataforma por um Comércio Internacional
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